segunda-feira, 12 de julho de 2010

Wine Meeting at Monteiro Valente's (10 Julho 2010)

No dia 10 de Julho de 2010 reuniram-se onze paineleiros e respectiva descendência em casa da família Monteiro/Valente com o objectivo de se proceder a uma prova cega de vinhos que se pretendia despretensiosa e informal. Após o convite inicial dos anfitriões, depressa o entusiasmo cresceu e o evento foi sendo preparado com requintes de profissionalismo a que só faltou a presença das entidades vitivinícolas nacionais para certificar o acontecimento. Os onze paineleiros, seis homens e cinco mulheres, contribuíram cada um com uma garrafa de vinho. Ao todo foram reunidas onze garrafas, cinco vinhos brancos e seis tintos, que foram provados às cegas e acompanhados com bolachas de água e sal e água S. Pellegrino. Para ensopar o líquido, não faltou a típica gastronomia nacional em reuniões de convivas em tempo de verão (febras, enchidos, pão e queijo) e outros mimos.
O anfitrião preparou uns sacos de plástico cinzento a que deu forma de preservativo para tapar as garrafas. O rigor profissional foi tanto que os havia de dois tamanhos, um para as garrafas bordalesas e outro para as  garrafas borgonhesas. Os convivas, à medida que foram chegando, tiveram a preocupação de ensacar as garrafas para que mais ninguém conhecesse o vinho que iria ser provado. No final, as garrafas foram numeradas.
O Pedro Gaspar, outro profissional de gema (ou melhor, de Baco) idealizou uma ficha de prova, baseada num original da Infovini, que não deverá nada às existentes nos concursos mundiais de vinhos… A ficha foi acompanhada de uma roda de aromas para que os pouco conhecedores da matéria (no fundo, todos…) pudessem fazer um brilharete nas notas de prova. O sistema de classificação, idealizado pelo autor destas linhas em função dos conhecimentos vinícolas dos membros do painel, encontra-se mais à frente no texto após a ficha técnica da prova (que me desculpem este preciosismo técnico, mas há que manter uma certa postura profissional…).
Pretendeu-se que os vinhos provados traduzissem uma pequena amostra de vinhos de colheitas recentes na gama abaixo dos 4 euros (brancos) e 6 euros (tintos) que pudessem ser encontrados facilmente nas prateleiras dos supermercados. Apenas um vinho fugiu deste patamar de preços, no fundo para funcionar como um outsider e verificar se a um preço mais elevado corresponderia uma mais-valia qualitativa. Houve também um vinho da colheita de 2005 mas que apenas recentemente foi posto no mercado.
Começou-se pelos brancos, a que se seguiram os tintos. Os últimos vinhos em prova saíram um pouco prejudicados em termos da acuidade sensorial necessária para a função (relação distante com as cuspideiras…). No entanto, pode-se considerar que se conseguiu manter o quórum sensorial até ao fim da prova, pelo que os resultados do painel para os tintos não se deverão considerar (de todo) eivados de falta de rigor na análise efectuada.
O perfil dos paineleiros traduziu, em parte, o consumidor português de vinho, havendo desde aqueles que bebem vinho com alguma regularidade e conseguem (muito esforçadamente) descrever as sensações que o vinho lhes causa, até aos que (pelo menos até à realização do evento) apenas sabiam distinguir um vinho branco de um tinto…
Depois de todos os vinhos provados e avaliados, cada paineleiro revelou as suas impressões sobre cada vinho e as garrafas foram sendo destapadas. O vosso interlocutor elaborou uma ficha com as impressões globais sobre cada vinho e respectiva classificação média, e tomou a liberdade de escrever uma nota de prova que traduzisse o mais fielmente possível o parecer geral do painel (em mensagens posteriores neste blog aparecerão, também, as minhas notas pessoais sobre os vinhos provados). 
Quanto aos vinhos levados para a prova, um produtor se destacou pelo número de amostras: a Adega Cooperativa de Pegões. Um acaso? Creio que não. Para quem conhece minimamente o mundo dos vinhos sabe que esta adega tem muitos e bons vinhos na gama de preços objecto desta prova. Setúbal foi, portanto, a região mais representada. O Minho, Dão e Lisboa estiveram ausentes (uma pena) e o Algarve continua a banhos. Uma vez que a escolha dos vinhos foi deixada ao arbítrio de cada um, a ausência daquelas regiões foi meramente circunstancial. 
Uma conclusão a tirar deste evento é que o número de amostras em prova foi em demasia (como foi o primeiro evento do género para a maior parte dos convivas, a expectativa era grande e a vontade de provar também…). Como se disse em cima, os últimos vinhos em prova saíram um pouco prejudicados (os últimos tintos). Nesta altura já alguns membros do painel tinham as narinas e papilas gustativas saturadas de tanto aroma. Asseguro, no entanto, que a acuidade visual se manteve dentro dos limites requeridos e nenhum membro do painel revelou estar a beber um branco durante as provas dos tintos...
Vamos então aos resultados gerais. Relativamente aos brancos, nos dois primeiros lugares ficaram o Adega de Pegões Colheita Seleccionada 2009 e o Casa Cadaval Vinha Padre Pedro 2009, tendo o primeiro sido declarado vencedor por apresentar a melhor relação qualidade/preço. Uma pequena nota para o Singularis 2008 do Paulo Laureano, um vinho claramente não consensual, com grande disparidade de avaliações, com reflexos na nota final. Houve quem tivesse gostado do perfil do vinho (entre os mais connoseurs houve quem adiantasse que poderia tratar-se de um branco do Mário Sérgio Alves Nuno da Quinta das Bágeiras…) e outros que não gostaram mesmo nada. Como o nome do vinho sugeria, foi uma singularidade nos vinhos brancos provados. Nos tintos, um vencedor claro, o Adega de Pegões Alicante Bouschet 2008. Este foi o vinho com maior número de avaliações acima da média.
Para terminar, refira-se a boa qualidade geral dos vinhos tintos provados nesta gama de preço, o que muito alegra o consumidor. Nos brancos, as classificações foram mais medianas. Gostos menos vocacionados para brancos? Qualidade inferior nos brancos por comparação com os tintos para preços semelhantes? Ficam as questões para pensar. Passemos então às notas de prova e classificações, por ordem decrescente de apreciação global, que a prosa já vai longa...
                                                                                                                                                                               
Os Brancos
                                                                                                                                                                        

Adega de Pegões Colheita Seleccionada 2009 (Setúbal)
Feito com Arinto, Chardonnay e Antão Vaz. Cristalino, de cor citrina. Aroma com intensidade média-intensa a frutos tropicais, algum floral e notas abaunilhadas de barrica. Na boca, é equilibrado e harmonioso evidenciando a fruta branca, alguma untuosidade e notas de madeira. Termina com persistência média/longa. (12.5%) € 2.98; 14.5

Casa Cadaval Vinha Padre Pedro 2009 (Tejo)
Feito com Arinto e Viognier. Límpido, de cor citrina. Aroma de intensidade média a frutos de árvore (maçã, pêssego) e muitos tropicais (maracujá, ananás/abacaxi) e algum limão. Na boca, é harmonioso e de persistência média destacando-se a maçã verde, fruta branca mais madura e notas de ananás. (12.5%) € 3.50; 14.5

Fiúza Três Castas 2009 (Tejo)
Feito com Chardonnay, Arinto e Vital. Límpido, de cor citrina. Aromas simples de intensidade média com notas cítricas (lima/limão e tangerina), maçã e alguma fruta seca. Boca correcta de fruta branca (ameixa, marmelo), cítrica e algumas notas tropicais. Termina médio ao fruto. (13%) € 3.50; 13

Quinta do Encontro Bical 2009 (Bairrada)
Extreme de Bical. Cristalino, de cor citrina. Aromas simples de intensidade média com notas cítricas (limão, lima, toranja) e frutos tropicais. A boca é bastante semelhante ao nariz, num registo equilibrado mas pouco persistente. (12.5%) € 3.68; 13

Singularis by Paulo Laureano 2008 (Alentejo)
Feito com Antão Vaz e Arinto. Límpido e denso, de cor palha-dourado. Destacam-se os aromas a madeira, torrados e resinosos. A boca mantém o perfil, a que se acrescentam a pêra compotada e alguma manteiga num registo equilibrado e de persistência longa. (13.5%) € 6.99; 13

Os Tintos



Adega de Pegões Alicante Bouschet 2008 (Setúbal)
Extreme de Alicante Bouschet. Límpido, de cor vermelho-violeta e bastante espesso. Nariz bastante complexo e de grande intensidade a frutos vermelhos, fumados e nuances balsâmicas. Encorpado, a boca sugere bagas silvestres, tostados, algum vegetal e cacau, envolvidos harmoniosamente e de persistência muito longa. (14%) € 4.74; 17

Serra Mãe Reserva 2005 (Setúbal)
Feito com Castelão. Límpido, de cor rubi e boa densidade. Aroma intenso e complexo a flores, bagas, tosta de madeira e algum iodo. A boca traduz fielmente os aromas do nariz, num todo harmonioso e de persistência média/longa com alguma secura final. (13.5%) € 4.30; 16

Cabeça de Toiro Reserva 2007 (Tejo)
Feito com Touriga Nacional e Castelão. Límpido, espesso, de cor vermelho-violeta. Aroma intenso e complexo sugerindo notas florais, mato e especiados de barrica (baunilha). A boca acompanha o nariz, a que se acrescentam a fruta vermelha madura e os tostados, envolvidos de forma harmoniosa e de persistência bastante longa. (13.5%) € 4.99; 16

Caves de Pegões Castelão/Syrah 2008 (Setúbal)
Límpido, alguma densidade e cor vermelho-violeta. Aroma vivo a frutos silvestres maduros, notas de baunilha e um fundo floral. A boca apresenta-se equilibrada, com algumas notas vegetais e tostados de barrica. De persistência longa, apresenta alguma secura final. (13.5%) € 3.99; 15

Adega de Pegões Colheita Seleccionada 2007 (Setúbal)

Feito com Touriga Nacional, Trincadeira, Cabernet Sauvignon e Syrah. Límpido, alguma densidade e cor rubi-acastanhada. Aroma complexo de média intensidade que sugere bagas, especiarias (baunilha), chocolate, algum floral e notas vegetais. A boca retrata na perfeição os aromas do nariz num todo correcto e de persistência longa. (13.5%) € 5.99; 14.5

Castelinho 2008 (Douro)
Castas não disponíveis. Límpido, alguma densidade e cor rubi aberta. Aroma simples mas intensas a fruta vermelha, notas fumadas e algum químico (alcatrão, iodo). A boca apresenta-se algo linear, simples com as notas do nariz e persistência média com alguma adstringência. (13%) € 3.80; 14


Ficha técnica da prova

Tipo de vinho: Branco (até  € 4) e Tinto (até € 6) com a excepção referida no texto.
Tipo de prova: Cega
Região de origem: Várias
Ano de colheita: Branco (2009 c/ uma excepção, 2008); Tinto (2005, 2007, 2008)
Copos utilizados: Muito adequados
Painel de prova: Homens (6) e mulheres (5), equilibrado em género e sem necessidade de quotas
Condições de prova: Óptimas (tirando a atenção que era preciso dar, por vezes, à pequenada), sala simpática, vinhos à temperatura correcta
Sistema de refrigeração: Mangas refrigeradas, alguidar com água e gelo
Número de amostras provadas: 11 (5 brancos, 6 tintos)
Número de amostras com defeito: 0
Água: San Pellegrino


Sistema de Classificação

Negativo: defeituoso, desequilibrado, não gostei nada
Abaixo da média (10-11 valores): neutro, sem defeitos nem virtudes, beber isto ou cerveja, que venha a última que está mais fresquinha
Médio (12-13 valores): correcto, sem pretensões, com meia dúzia de cachos das minhas videiras conseguia fazer melhor que isto
Bom (14-15 valores): Bem feito, dá um certo prazer beber, gostei
Muito Bom (16-17 valores): Complexo, com personalidade, gostei bastante
Excelente (18-19 valores): Grande categoria, que pomada!...
Impressionante (20 valores): Parem as rotativas!...; Estou a ter um orgasmo múltiplo. Que vinho é este!???...

2 comentários:

  1. Parece que estava lá outra vez :) Muito bom!
    Obrigada Paulo.

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  2. Para a próxima ainda será melhor, agora que a visão, o nariz e o paladar estão mais treinados para os vinhos. As provas cegas são sempre um momento que pode ser instrutivo e também divertido, se o espírito se mantiver aberto aos aspectos lúdicos. E, por vezes, há surpresas (ou talvez não), ou seja, a opinião dos críticos profissionais sobre um vinho pode ser diversa da do consumidor comum. Um cliché nesta área aplica-se na perfeição: o consumidor é soberano na sua apreciação.

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